A propósito deste artigo da Maria João Nogueira sobre o seu avô, lembrei-me de escrever umas linhas sobre o meu avô paterno. O meu avô Zé, aka “O Velho Setenta”. E escrevo, porque foi também um Homem notável.
O meu avô teve seis netos, três rapazes e três raparigas - eu e a minha irmã do lado do meu pai e dois rapazes e duas raparigas do lado da minha tia.
Nado e criado no Alentejo do princípio do Séc. XX, teve uma vida dura. Em jovem já era padeiro, mas o salário não dava para sustentar a família – a mulher, o filho (meu pai) e a filha (minha tia).
Resolveu emigrar para França, a salto claro. Atravessou os Pirinéus a pé. Passado tempo a minha avó seguiu-o. Ele foi para as obras, a minha avó para empregada doméstica.
Vinham todos os Natais e Verões e era uma festa quando chegavam, carregados de brinquedos.
Trazia sempre brinquedos iguaizinhos para os rapazes e diferentes mas também iguazinhos para as raparigas. Não havia discriminações para ninguém.
Tinha um orgulho infinito nos netos. Eu acho que gostava mais deles do que da mulher ou dos próprios filhos.
Apesar das agruras da vida, o meu avô não era um homem rude, bem pelo contrário. Se um neto se esquecia de lhe dar um beijo de manhã ou ao deitar, reclamava logo. Fazia-se-lhe umas festinhas na careca e saltava uma “quinhentola” da carteira.
Não sendo rude, era porém machista e sexista, como é óbvio. Rasgava-se-lhe um sorriso de orelha a orelha quando se falava nos namoricos dos netos, mas se uma neta ia à rua com uma saia mais curta ou um decote um nadinha descaído, começava logo a remoer entre dentes.
Não tinha preferidos, gostava de todos por igual, mas o mais novo – o Bernardo – que já veio muito depois dos outros gozava de um lugarzinho especial no coração dele. Nunca confessado, claro.
Voltado de França, montou uma fábrica de pinhão em Alcácer do Sal, a sua terra. Nunca gramou os empresários portugueses: “Em França, comecei como servente de pedreiro e cheguei a encarregado de estaleiro, aqui um gajo não consegue ir a lado nenhum”, dizia.
Comprou também uma casa, a casa na qual passei todos os Natais da minha infância e adolescência. No final de cada noite de Natal, era certinho como um motor Rabor: O meu avô, com uma pinguinha pequenina a mais punha-se a cantar cantigas alentejanas.
Quando me casei, foi um orgulho. Conheceu a minha mulher algum tempo antes e foi amor à primeira vista. E uma festa quando veio a Aveiro ao meu casamento.
Infelizmente, fui o único dos netos que viria a ver casar. Um cancro no estômago levou-o nesse mesmo ano com um sofrimento horrível perto do final.
Também tenho imensa pena que ele não tenha conhecido o meu filho. O neto varão (eu), o único a poder dar continuidade ao nome Gamito, teve um filho rapaz. Como ele teria ficado inchado de orgulho. E também teria dos filhos dos meus primos por igual, claro. Ele gostava era de ter a casa cheia com a família.
Aposto que se tivesse podido conviver com os bisnetos, teria tido tudo o que quis da vida.
Tenho saudades tuas avô, mas quem sabe, um dia nos voltaremos a encontrar num lugar e tempo melhor do que estes.
PS. Tenho pena de não ter conhecido o meu avô materno, morreu antes de eu nascer e que também foi um Homem notável, de quem herdei o segundo nome – Augusto. Pelas fotografias, acho que sou parecido com ele.
Adorei o texto, escreves muito bem, parece que o teu avô foi uma pessoa espectacular. Sempre tive a ideia de que era assim que os avós deveriam ser, tenho muita pena da minha história não ser semelhante á tua, ia adorar ter um avô desses :) O meu avô materno morreu quando eu tinha alguns meses de vida, assim como tu não cheguei a conhece-lo apesar de me dizerem que era uma pessoa espectacular :)
Abraço e continua a escrever assim ;)
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