:Apeadeiro

Vivi durante cinco anos no Porto enquanto lá frequentei a Faculdade de Ciências da respectiva Universidade.  Já lá vão uns 20 anos e poucas vezes lá tinha ido antes disso.
Aprendi a conhecer a cidade e os portuenses. Que historicamente sempre teve uma classe alta bastante reduzida, uma baixa enorme e a média, praticamente inexistente. Apesar de mais esbatido, este cenário socioeconómico ainda se notava nesse tempo.

Mas este artigo é sobre bola, deixemos as coisas mais sérias de lado por um bocado, ok ?
Siga para bingo então: enquanto lá estive, desfiz vários mitos urbanos de bola, espalhados ainda hoje pelo resto do país e alimentados não pelos portuenses portistas.

O principal é o de que no Porto praticamente todos os portuenses são portistas. Nada de mais errado. O que não falta lá em grande número são portuenses benfiquistas, sportinguistas, bem como boavisteiros e salgueiristas. Arriscaria dizer que estes todos juntos são pelo menos tantos como os portistas.

Outro dos mitos urbanos é que são os benfiquistas os adeptos que em todo o Portugal maior pó têm aos portistas. Errado outra vez. Quem mais não pode ver um portista à frente, é um boavisteiro. Nunca cheguei a saber o motivo histórico disto, mas lá que era uma realidade, era.

Mais um, o de que os portistas odeiam os clubes de Lisboa. Em parte, em relação ao Benfica, talvez. Por motivos óbvios para qualquer observador da bola por pouco atento que seja. No entanto, respeitam enormemente o Sporting enquanto clube e os seus adeptos. Infelizmente, com os novos tempos perdeu-se uma tradição que durou décadas e que era a de que quando o Sporting ia ao Porto jogar com o FC Porto, a equipa era sempre recebida na estação de S. Bento ao som da banda de música da cidade e devidamente engalanada para a ocasião.

Para terminar este artigo, o de que os portuenses portistas são agressivos para com os adeptos adversários, especialmente os do Benfica. Tirando obviamente uma pequena fatia de maluquinhos que há em todo o lado, um portuense é antes de mais uma pessoa de paixões intensas, diz o que tem a dizer sem rodeios nem rodriguinhos, ama a sua cidade acima de todas as outras, é amigo do seu amigo, estes cumprimentam-se com qualquer coisa do género estás bom, ó meu grande c* do c* ? E de seguida, trocam um abraço. E finalmente são extremamente hospitaleiros, ao contrário do que se diz pelo Sul.
Portanto sim, um portuense portista pode não gostar do Benfica, mas antes de tudo o resto gosta do seu próximo. Não é agressivo para ninguém por causa da bola. A Casa do Benfica fica em plena Rua de Sta. Catarina, a do Sporting também na baixa perto do Teatro de S. João e nunca vi ninguém meter-se com elas à má fila.

E dou um exemplo que de tão caricato que é, só visto que contado ninguém acreditaria: num jogo qualquer decisivo para a Champions entre o FC Porto e o Barcelona, o primeiro perdeu em casa do segundo. Já não tenho bem a certeza, mas penso que foi num em que o Koeman marcou um golo de livre directo a uns 30 metros e com tamanha velocidade na bola que esta tocou na barreira, continuou em direcção à baliza, o Vítor Baia ainda lhe deu uma palmada, mas aquela redondinha estava decididamente destinada a entrar naquele pontapé.
Quando o jogo terminou, eu e um amigo (benfiquista) fomos a uma cervejaria de que já não me lembro do nome. Aquela que fica mesmo ao fim dos Aliados à direita. Era a única coisa aberta à noite na baixa até às 2 da matina. Claro que o ambiente lá dentro era de portistas completamente desalentados. Eu e o meu amigo fomos para uma mesa e pedimos qualquer coisa para comer e beber. Eis senão quando, entra o surrealismo em cena: irrompe um gajo vestido com a camisola do Benfica e um cachecol do Barcelona ao pescoço pela cervejaria adentro, ajoelha-se, ergue as mãos ao céu e grita em alto e bom som: «graças a Deus comemos os andrades». Bem, o ambiente que era de desalento, passou a ser de cortar à faca em menos de um ai. Um dos empregados começou logo a remoer «ai levas com o cutelo, levas». Eu e o meu amigo saímos o mais depressa que pudemos, mas não houve notícia de nenhuma tragédia nessa noite. Lembro-me de toda esta cena que durou um instante como se fosse hoje.

E esta é a visão que um sportinguista forasteiro tem de um portista da Mui Nobre, Sempre Leal e Invicta Cidade do Porto.

Claro que posso estar errado, ó tu que vives no Porto e és um portista arreganhado.